Quase 29 outonos

maio 17, 2020


#PraCegoVer: A imagem do começo do texto contém uma pessoa segurando uma foto de uma casa, que se sobrepõe a casa hoje. A imagem da casa antes e depois juntas na mesma fotografia. Passado e presente se entrelaçando.

Talvez eu seja pensativa demais, imaginativa demais, ou até criativa demais, não sei, só sei que costumo lembrar das coisas e meço elas como se pudesse medir meus desenhos técnicos, ou melhor, as julgo, e costumo guardar as coisas boas em uma caixinha dentro de mim.
Acredito que são essenciais para poder continuar.
Na maioria das vezes guardo sentimentos, aromas, sensações e as melhores coisas: As memórias de minha infância.
Memória das primaveras pinhalzinhenses que eram não tão quentes, com cheiro de flores e nuvens no céu, nessas primaveras surgia meu eu sorridente para aquecer tudo, muitas vezes trajando aqueles vestidos cor-de-rosa que faziam as pessoas me acharem a menina mais fofa (eu ia colocar do mundo, mas acho que estaria sendo pretensiosa demais), do bairro.
Lembro de saltitar pelo caminho, e isso me fazia sorrir por dentro e por fora. As idas e vindas da escola eram sempre com meus amigos, raramente eu estava sozinha, e como tudo aquilo era maravilhoso. Depois da aula, nas tardes, sentava na grama para observar o bando de garças que em formato de V, cortavam o céu rumo ao leste.
Minha mente era uma criadora de histórias...
Guardava um strass que repousava em um algodão dentro em uma caixinha de fósforos como se fosse meu diamante, e a goiabeira era meu castelo. Junto com meus amigos eu me tornava qualquer personagem, pois éramos crianças, e crianças com uma boa imaginação tudo podem.
Eu me desesperei quando percebi que estava crescendo, e inocentemente pedia para Deus que ele me deixasse criança para sempre.
De certa forma ele deixou que aquele ser inteiramente puro tivesse uma parte dentro de mim, embora eu tenha crescido e tenha me tornado adulta com milhares de coisas por fazer, ainda tenho esse quê de imaginar, e as lembranças todas guardadas em minha caixinha interna, fazem ativar a minha essência que ainda vive.
Era junho, eu deveria ter por volta dos 9 ou 10 anos. Esperava ansiosamente pela maquiagem de caipirinha, amava as trancinhas nos chapéus de palha, já que tinha (forçadamente) cabelos curtos, e sempre ansiava por tê-los longos.
Vestido azul com florido de chita, uma renda na barra.
As bochechas vermelhas com sardas de lápis preto.
Tênis e meia calça. Pronta para a festa de São João.
Chegava na escola, cerca de 3 minutos de casa. Todas as crianças do bairro lá, vestidos de caipiras e dançando juntos.
Ensaiávamos meses para uma apresentação que os pais aplaudissem, mas o mais divertido era poder dançar com os amigos e se vestir diferente dos dias normais.
Chega em casa, tira o tênis, continua a brincar com roupa de caipira.
As flores de São João eram o sinal... E ainda são.
Eu ainda as vejo no caminho do trabalho. Na última sexta-feira mesmo as vi. É uma espécie de trepadeira que nessa época do ano, às portas do mês de junho, dá várias pencas de uma flor alaranjada, que possui um néctar doce que atrai tanto beija-flores, quanto crianças.
A sensação quando vejo as cenas do meu passado no meu presente é muito peculiar, e se mescla com a recordação de um tempo muito bom que passou, mas que me ensinou muitas lições.
Uma delas é que antes de provar o néctar doce dessa flor, é bom verificar se não tem formigas dentro (quem já fez isso sabe do que estou falando), não é uma experiência agradável, da mesma forma é com a vida. As vezes você encontra o doce da flor, as vezes a dor de uma picada de formiga.
E tá tudo bem.
A vida é sazonal.
Existem primaveras, verões, outonos e invernos. Uns anos mais frios, outros mais quentes. Uns mais chuvosos, e outros mais secos.
A dificuldade está em se adaptar a todas essas mudanças de estações e de climas.
A vida muda muito.
É complicado viver, ainda mais nos dias de hoje que estamos cheios de desafios, mas acredito que nosso eu criança ficaria orgulhoso e feliz nos vendo tentando ser cada dia melhores e mais felizes, ainda mais perante as dificuldades.
Já são quase 29 outonos e as vezes ainda é difícil, mas o que eu sei é que a Daiane criança era mais feliz porque ela não esperava um amanhã, ela vivia hoje, amava hoje, sonhava hoje, e depois acabava até mudando de sonhos e planos, mas ela não se importava com isso. Como disse no começo do texto, seus tesouros eram uma árvore, seus amigos e uma caixinha de fósforo com um diamante falso dentro, e ela não precisava de mais nada.
Lembro de uma velha canção que ouvia quando pequena chamada What's Up, da banda 4 Non Blondes:

"E então eu levanto de manhã
E eu saio lá fora
E eu dou um respiro profundo, e eu fico bem
E eu grito com todo o meu pulmão:
O que está acontecendo?"



As vezes é difícil entender, mas quando estou triste ou confusa geralmente pego uma foto antiga minha, olho e penso o que eu faria se fosse aquela, daquela época. 
Meu eu criança tinha sempre uma resposta para tudo, e se não soubesse a resposta perguntava, até descobrir o que fazer.
Nos dias em que me forço a descobrir uma resposta, me atenho toda a isso e olho dentro de mim. Então a resposta vem.
E vem em forma de sorrisinho puro e de covinha no rosto.

#PraCegoVer: A imagem do começo do texto contém uma pessoa segurando uma foto de uma casa, que se sobrepõe a casa hoje. A imagem da casa antes e depois juntas na mesma fotografia. Passado e presente se entrelaçando.


"Omnes enim Christus, nihil sine Maria"

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2 comentários

  1. Outro texto sobre nostalgia que, novamente, passa a mensagem muito bem. Vinte e nove outonos são o suficiente para juntar memórias e saudades para uma vida toda, mas sabemos bem que ainda vem bem mais por aí, não é mesmo? Você já pensou em repetir algumas das passagens de sua infância como forma de revisitar esses momentos? Imagino que possa ser uma boa experiência - e um ótimo tema para uma postagem, inclusive. E, ainda falando sobre o presente, tem ideia do que a Daiane de amanhã poderia sentir falta da Daiane de hoje? Acredito que seja um bom tópico a se refletir. Bom, retornando ao assunto da nostalgia, usar uma foto da foto realmente passa bem essa mensagem e sentimento, certamente foi uma bela escolha para ilustrar a postagem. Para não me estender muito além, gostaria de parabenizar pela postagem, você sempre traz um ótimo texto sobre contraste e tempo.

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    1. Amei seu comentário e obrigada pelos elogios todos rs! Realmente uma boa ideia de postagem. Obrigada! Quem sabe em breve ;)

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