Uma alma doce

maio 03, 2020


Sebastião do Carmo Silveira, um nome tão forte para uma alma tão doce.
Vivia entre oração, trabalho manual com cestos de taquara e contando seus "causos".
Eu o perdi aos treze anos.
Ele era o amigo que comigo assistia TV, que sempre parava tudo para poder estar ao meu lado, e que me dava conselhos de como fazer as coisas da maneira certa. E melhores amigos a gente não esquece certo?
As vezes que caí e me machuquei, ele estava lá para parar o meu choro e dizer que estava tudo bem. Meus joelhos tem diversas cicatrizes, e meu coração diversos alentos.
Nas tardes ele me ninava em seu colo, e cantava canções enquanto eu adormecia.
Eu era doce como ele.
A vida de adulto muitas vezes tira essa doçura da gente sabe? Sempre busco isso dentro de mim, é um propósito de alguns anos, ser o mais doce possível. E a fonte do meu eu doce é um pouco dessas minhas memórias que sempre vem com um céu azul e um sol brilhante, com sorrisos e com bondade exalando no ar.
O banquinho de madeira, no qual sempre se sentava nas tardes, acabava me atraindo para perto dele e daí sempre vinha uma lição de vida pra eu aprender.
Nas orações da manhã, eu seguia os passos dele para aprender a rezar e muitas vezes depois eu me via repetindo isso sozinha, cantando canções ao redor do quintal.
Quando alguns dos amigos que ele tinha no bairro visitavam a casa, e contavam os "causos" antigos eu sorria junto muitas vezes sem nem entender...
Aqueles invernos frios, quando o leite fervido lançava seu aroma, e a grama ficava branca ao amanhecer, raramente são vistos hoje. O bairro está lotado de casas de pessoas que a gente não conhece e que normalmente vem de cidades bem maiores que a nossa, isso fez com que a natureza que existia, não exista mais. Infelizmente.
Aliás aquele mundo dos anos 90 ficou realmente no passado. Apenas algumas coisas continuam em seus lugares, uma delas o banco de frente pra estrada, que fica debaixo das árvores e continua sendo usado por mim, quando leio, por meu pai na confecção de cestos e outras pessoas esporadicamente, mas sempre com a lembrança de que ali era o lugar em que o "vô gostava de estar".
Com o passar dos anos as imagens vem mudando de cor e estão desaparecendo, mesmo sem querer. Este é o preço que se paga quando o tempo vai avançando, mas eu não quero esquecer.
Por isso escrevo aqui hoje, porque sei que se um dia eu não me lembrar, meus escritos me lembrarão.
Meu avô é o responsável pela minha essência, que nesses 28 anos eu tenho perdido pelo caminho, mas que sempre volto a encontrar, porque a presença dele é muito forte em mim, e sei que de certa forma, me ajuda a sempre voltar para o caminho certo, não importe o quão perdida eu esteja por aí.




"Omnes enim Christus, nihil sine Maria"

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2 comentários

  1. Se seus últimos textos foram crescendo em nostalgia, aqui você encontrou seu ápice. Imagino que, apesar de ser um texto sobre saudade, também seja um elogio à essência contagiante que encontrou no Sr. Sebastião. Em alguns trechos você fala sobre como as coisas mudam e ficam difíceis, o que é fato, e por isso acho ótimo que você tenha um porto seguro nas suas lembranças de infância - fora o exemplo a seguir do seu avô. E da próxima vez que você se sentir perdida, lembre-se que é em momentos como esses que a gente se encontra de verdade: nas coisas que nos restam e são importantes, nem que elas existam apenas na nossa memória.

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    1. Muito bom realmente ter algo a que se agarrar. As vezes as lembranças trazem saudades que até doem, mas com elas sempre vem algo que se aprendeu e pode ajudar no nosso dia a dia.
      Obrigada pelo comentário!

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