A Igreja Católica era a favor da escravidão?

junho 07, 2020



Diz-se da Igreja Católica, que ela apoiava a escravidão dos negros alegando que, por serem negros eles não teriam alma, e que portanto, poderiam ser "usados" como escravos. 
Já ouvi isso nas escolas, e já li em diversas matérias na internet, mas por esse motivo, comecei a estudar e vi que certas coisas não só não são verdades, como também, são ideias totalmente infundadas.
Na bula papal Sicut Dudum promulgada pelo Papa Eugênio IV, em 1435, fica clara a intenção da igreja de acabar com a escravidão de nativos das ilhas canárias, que até então eram usados para trabalhos forçados.

"E não menos ordenamos e ordenamos a todos e a cada um dos fiéis de cada sexo, no espaço de quinze dias após a publicação dessas cartas no local em que vivem, que restaurem à sua liberdade anterior toda e qualquer pessoa de ambos os sexos que já foram residentes das referidas Ilhas Canárias e foram feitos cativos desde o momento da captura e que foram sujeitos à escravidão. Essas pessoas devem ser total e perpetuamente livres, e devem ser deixadas ir sem a exação ou recepção de dinheiro."
 
A igreja sempre se preocupou em destituir os males da escravidão, em levar os ensinamentos cristãos a todos, mostrando que não existe sentido sobre o que se diz hoje, sobre as almas dos nativos e escravos africanos serem sem importância comparada a dos brancos.
Aqui no Brasil, um dos últimos países a declararem libertos os negros, Papa Leão XIII, escreve à princesa Isabel em 05 de maio de 1888, uma encíclica mostrando o total descontentamento com a situação em que o país se encontrava na época.

"Na presença de tanto sofrimento, é profundamente lamentável a condição de escravidão, na qual uma parte considerável da grande família humana está afundada em miséria e aflição por muitos séculos; pois o sistema é totalmente oposto ao que foi originalmente ordenado por Deus e pela natureza. O Autor Supremo de todas as coisas decretou que o homem exercesse uma espécie de domínio real sobre animais, gado, peixes e aves, mas nunca que os homens exercessem um domínio semelhante sobre seus semelhantes. Como Santo Agostinho coloca: "Tendo criado ao homem um ser razoável, e segundo Sua própria semelhança, Deus desejou que ele governasse apenas sobre a criação bruta; que ele deveria ser o mestre, não dos homens, mas dos animais". Disso se segue que "o estado de escravidão é corretamente considerado como uma penalidade para o pecador; assim, a palavra escravo não ocorre na Bíblia até que o homem justo Noé tenha marcado com ele o pecado de seu filho. Foi o pecado, portanto, que mereceu esse nome; não era natural. "

O próprio Catecismo da Igreja Católica (Sobre o livro: Catecismo da Igreja Católica - Edição CNBB/Loyola), da edição de 1992, tem uma parte que aborda o assunto de maneira a deixar mais clara aos que hoje leem, e de modo a educá-los na verdadeira doutrina. 


"O Sétimo mandamento proíbe os atos ou empreendimentos que, por qualquer razão que seja, egoísta ou ideológica, mercantil ou totalitária, levam a escravizar seres humanos, a desconhecer sua dignidade pessoal, a comprá-los, a vendê-los e a trocá-los como mercadorias. É um pecado contra a dignidade das pessoas e contra seus direitos fundamentais reduzi-las pela violência, a um valor de uso ou a uma fonte de lucro. São Paulo ordenava à um patrão cristão que tratasse seu escravo cristão 'não mais como escravo, mas muito mais que isso, como irmão querido[...] sobretudo no Senhor.'"- Catecismo da Igreja Católica, pg 624

Dando destaque também à vida de alguns santos negros da igreja, começaremos com Santa Ifigênia, que nasceu e morreu no século I d.C.
Filha do rei da Etiópia, através da mediação de São Mateus Evangelista, se converteu a fé cristã e ajudou a difundir o cristianismo a todos os Etíopes. O sobrinho de Santa Ifigênia, em seu reinado, construiu diversas igrejas por todo o país.
São Benedito, chamado de mouro pela cor de sua pele, era da Sicília - Itália, nasceu em 1524, e é lembrado com muito carinho, inclusive pelos brasileiros.
Seus pais eram africanos, e Benedito, aos 18 anos se consagrou vivendo no modo de vida eremita Franciscano. Andava descalço e dormia no chão sem cobertas.
Foi designado a trabalhar na cozinha, e desse fato, meu avô, grande devoto do santo, contava coisas extraordinárias e milagres dele. Dizia que ele era discriminado por muito de seus irmãos de convento, e que um dia tirou o coração do peito e perguntou aos seus colegas se era diferente do coração deles, após esse dia seus companheiros passaram a vê-lo de outro modo, e se arrependeram das discriminações cometidas não só contra Benedito, mas com diversos outros. 
São Benedito morreu em 04 de abril de 1589 e seu corpo, quase incorrupto, se encontra na Basílica de Santa Maria em Palermo.
Santa Josefina Bakhita, a primeira santa africana, nasceu no sudão em 1869, foi escravizada e sofreu imensos transtornos físicos e psicológicos. Em uma das famílias à qual foi vendida acabou conhecendo um convento no qual foi deixada com a filha do casal e se entregou totalmente à Deus, expressando o desejo de permanecer no local. Chamava Deus de "meu patrão" e se dedicou ao trabalho e a santificação através da entrega aos irmãos.
Após um longo tempo de sofrimento ela partiu. 
Foi canonizada no ano 2000 pelo Papa João Paulo II.
Nossa Senhora Aparecida, foi encontrada em 1717 no Rio Paraíba do Sul por pescadores. Era uma imagem antiga de Nossa Senhora da Conceição, que ficou escura devido ao uso, as velas e a cor da água. Porém, isso naquela época, auge da escravidão, trouxe uma importante mensagem a todos. Deus vem aos pequenos, aos excluídos, aos marginalizados. Uma imagem de Maria, até então, amplamente divulgada branca, aparece no Brasil, negra. 
Retrata ainda hoje a identidade de um país. 
Os grilhões do escravo Zacarias, que foram rompidos por milagre, ainda se encontram no museu da Basílica e, maior que esse milagre, foi o milagre de voltar nosso olhar para aqueles que passavam invisíveis.
Ainda existem muitas citações, encíclicas e histórias que poderia citar aqui de diversos papas, santos e outros sobre a escravidão e sobre a importância do ser humano, todas elas apontando o quanto a igreja sempre foi contrária a situação, além das próprias escrituras, mas o texto já se alongou demais.
Deixo aqui as referências para quem quiser saber mais sobre, e além disso, meu retrato pessoal de uma católica, que até pouco tempo atrás enxergava o Cristianismo branco, e que hoje vê que ele é muito mais multicolorido do que pensamos. 
A Igreja abraça a todos.



#PraCegoVer; Imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, um terço nas mãos dela, a luz do sol entra pela janela, a parede tem um arco azul e o restante em um amarelo suave. Uma flor vermelha a faz companhia.


                                            




                                                "Omnes enim Christus, nihil sine Maria"







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2 comentários

  1. Uma importante reflexão essa que você traz, assim como uma série de histórias que geralmente passam despercebidas por não fazerem parte do tomo principal da liturgia cristã. Imagino que você trará outros pontos importantes do catolicismo e aguardo ansiosamente por eles, para acompanhar as partes esquecidas e mal interpretadas da religião. Parabéns pelo texto.

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    1. Percebi que esclarecer pequenos ou grandes equívocos é uma forma de colocar as coisas no seus devidos lugares. E isso é muito importante no mundo de hoje. Obrigada pelos elogios e pelo comentário! :)

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